20.5.07

Comunicação ou Confusão?

“A contradição que se mostra tão enigmática em face do pensamento usual provém do fato de termos de utilizar a linguagem para comunicar nossas experiências íntimas, as quais, em sua própria natureza, transcendem a lingüística”.

(D. T. Susuki).

Imaginemos o início da comunicação verbal:

Em algum momento, houve a necessidade de códigos para resolver situações corriqueiras; para avisar de algum perigo – como o ataque de um animal – criou-se o signo “CUIDADO”(1), por exemplo. Seguindo esse raciocínio, podemos dizer que a comunicação se aprimora segundo as necessidades humanas. Depois do primeiro estágio da comunicação (verbal), surge a escrita, com a intenção de armazenamento e transmissão de informação. Por volta de 400 a.C., Roma adapta o alfabeto grego e este é mantido praticamente o mesmo nos dias de hoje.

Além disso, esse desenvolvimento se dá de maneiras diferentes, em culturas diferentes. Exemplo disso é a língua esquimó, que tem seis nomes diferentes para vários estágios da neve, ao contrário do português, que possui apenas a palavra neve. “Assim podemos dizer que a estruturação da língua influencia a percepção da realidade e o nível de abstração e generalização do pensamento"(2).

Podemos ainda dividir esses signos em dois grandes grupos: concreto e abstrato.

O signo concreto é aquele que dá nome às substâncias à vista do ser humano, por exemplo: pedra, água, sol etc. Para que essas palavras constituam um repertório lingüístico, é necessária uma aceitação, uma convenção aceita pela sociedade, de que aquele signo representa aquele objeto, já que o nome é escolhido de forma arbitrária – não há nada acerca da palavra água que nos remeta ao objeto por ela representada.

O signo abstrato dá nome às qualidades subjetivas, como sentimentos, regras morais, e qualquer coisa que vá além do campo sensível comum aos homens, por exemplo: dor, prazer, mal, justiça, beleza etc.

A partir disso, como pode um sistema de símbolos criado, a princípio, para ações e necessidades básicas, transmitir o pensamento de alguém de forma fiel?

Já se admite essa impossibilidade quando, no caso de um texto, o autor e o leitor se encontram em diferentes contextos. Por exemplo, tentar entender o pensamento aristotélico no contexto atual, ou pior, aplicá-lo aos dias de hoje(3).

Outro exemplo clássico é a exegese, que se trata da prática da hermenêutica sagrada que busca a real interpretação dos textos que formam o Antigo e o Novo Testamento. Vale-se, pois, do conhecimento das línguas originais (hebraico, aramaico e grego), da confrontação dos diversos textos bíblicos e das técnicas aplicadas na lingüística e na filosofia(4). Ainda assim, dessa técnica surgem interpretações divergentes (exegese Rabínica, Protestante e Católica).

É sabido que, num determinado período de tempo, tem-se um contexto único. Aceitar um contexto geral, este sendo a soma das individualidades, tampouco resolve o problema.

Quando eu escrevo amor, essa palavra chega a cada leitor da mesma maneira – fisiologicamente falando – mas o seu entendimento depende da experiência pessoal, formada a partir das lembranças boas e ruins acerca do amor. Para resolver esse impasse (ou escondê-lo), recorre-se ao conceito de amor ditado pelo contexto geral do momento e, mesmo assim, a gama de definições diferentes torna o sentido original intangível.

A discussão toma monstruosa proporção quando se tem por tema tópicos morais. Nesses casos, as generalizações – ou convenções – tom am lugar, e todas as subjetividades são trocadas por uma falsa objetividade. Como decidir o que é certo e errado, e para quem? A mídia usa esse relativismo primordialmente, como forma de manipulação e alienação, criando e destruindo conceitos ao seu bel-prazer.

Os místicos orientais têm uma forma interessante de lidar com isso. Eles “também têm consciência do fato de que todas as descrições verbais da realidade são imprecisas e incompletas”(5). Ainda assim, preferem acentuar essa incompletude criando paradoxos “a fim de expor as inconsistências que derivam da comunicação verbal, e de exibir os limites dessa comunicação”(6):

Quando um monge indagou de Fuketsu Ensho “quando a fala e o silêncio são ambos inadmissíveis, como podemos evitar o erro?” – o mestre respondeu:

Lembro-me sempre de Chiangsé em março

O grito da perdiz,

O aglomerado de flores fragrantes(7).

Concluindo, é necessário que deixemos de lado nossa inocência em acreditar que a leitura de um texto nos permite entender seu conteúdo de uma forma única. Porém, não caiamos num ceticismo aporético. É preciso seguir o exemplo da Filosofia que, mesmo perante a impossibilidade de alcançar uma verdade absoluta, fundamenta sua existência na busca da mesma.


(1) Exemplo ilustrativo

(2) SCHAFF, A., Linguagem e conhecimento. Coimbra, Almedina, 1974. p. 252.

(3)Tentativas não faltam.

(4) PACOMINO, L., PADOVESE, L., FISICHELLA, R. Dicionário Teológico Enciclopédico. São Paulo, Loyola, 2003.

(5) FRITJOF, C., O Tao da Física. São Paulo, Cultrix, 1983. p. 40.

(6) Idem, ibidem, p. 41.

(7) WATTS, A. W., The way of Zen.



3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

VIsh FIquei um tempão afastado, pelo jeito as coisas mudaram um pouco por aqui...
Curti o seu Post diogo, bem "diferente"
rs

23/5/07  
Blogger Willow said...

Olá Diogo!
primeiramente, meu comentário sobre o plano da expressão. Bem legal o seu post mas acho que tem um jeito de consertar os links para as notas de rodapé que você tentou colocar. Vou tentar providenciar isso. Depois faço meu comentário sobre o plano do conteúdo.

26/5/07  
Blogger VinnyFDSBC said...

Muito bom esse post. Lembro-me das várias explicações e discussões que tive com o Dr.Willow sobre esse tipo de assunto. Inclusive, poderemos fazer uma sugestão de leitura de um antigo post dele no ano passado, que trata mais ou menos disso. Interessantíssima tambéma conclusão, mesmo porque me sinto na pele daquele que pelo ceticismo cai em uma angustia de não ser capaz de extrair nada, em alguns textos.!

26/5/07  

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