26.9.07

e-tnografia

O peixe morre pela língua e todo mundo sabe disso. Por isso é preciso tomar muito cuidado na hora de abrir a boca pois por qualquer descuido a isca da linguagem fisga a gente sem nem ter percebido. O infeliz redator/editor desse artigo da Wiki nos dá um caso exemplar. Ao tentar exemplificar as cantigas de ninar do Brasil, deixa explícito destrambelhadamente seu preconceito mal-travestido de multiplicidade de pontos de vista:

Boi da cara preta

Boi, boi, boi
Boi da cara preta
Pega essa menina
Que tem medo de careta

Versão politicamente correta

Boi, boi, boi
Boi do piauí
Pega essa menina
Que não gosta de dormir

A reformulação da letra da cantiga pode até ser habilidosa, como se vê no trato com as rimas, mas explicita – como raramente vi antes – a discriminação recalcada no brasileiro. Ora, o que exatamente haveria no Boi da Cara Preta que pudesse ser considerado "politicamente incorreto"? É evidente que a "cara preta" do boi não se refere a nenhuma questão racial. Afinal, trata-se do imaginário fantástico infantil. E mesmo que houvesse ali alguma conotação similar, teríamos de lembrar que os bois têm raças próprias de sua espécie. Ou seja, a "cara preta" do boi não é uma ofensa, como provavelmente interpretou o editor do artigo. Ainda mais, o que haveria de diferente no "boi do piauí" que o faz não ser uma forma de preconceito? O boi não poderia ser do Maranhão, ou de Minas Gerais? A tentativa do redator de apresentar uma outra versão, "politicamente correta" e isenta de carga ideológica, revelou na verdade sua leitura da cantiga e, portanto, sua própria ideologia. Afinal, a ofensividade sempre está mais a cargo do leitor (ou ouvinte, expectador, de acordo com a situação!) do que do conteúdo em si.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Po bicho!!! Ta me tirando? só pq meu apelido eh boi do Piaui?

Daqui a pouco vao processar donos de "xampus para negros"...

27/9/07  

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