9.7.07

Lógica x Realidade

"Detesto a filosofia, detesto a razão; e sinceramente creio que num
mundo tão desconchavado como este, numa sociedade tão falsa,
numa vida tão absurda como a que nos fazem as leis,os costumes,
as instituições, as conveniências dela, afectar nas palavras a
exactidão, a lógica, a rectidão que não há nas coisas, é a maior e
mais perniciosa de todas as incoerências."

(Almeida Garrett, "Viagens na minha terra", 1843)


Garrett insurgia-se contra a lógica filosófica justamente numa
época em que predominava a racionalidade estrita do Iluminismo.
Além disso, contrariava com uma boa dose de ironia e sarcasmo
as "leis ficcionais" do período Romântico, como se pode ver nesse
trecho digressivo.

Vá lá: no seu tempo, era legítimo e patente o conflito entre os
ideais liberais e o antigo regime. O "mundo tão desconchavado"
dominado pela burguesia materialista e pela nova ordem
sócio-política colocava em xeque os antigos valores da
transcendência, do poder divino e do indivíduo como essência
lírica-literária.

Mas, ainda, me pergunto como isso ainda é válido nos dias de
hoje. ¿Vale a pena filosofar no desconchavo do nosso mundo, ou
deveríamos simplesmente viver nele, sem grandes digressões e
divagações? ¿Existe, de fato, alguma lógica, alguma 'rectidão',
alguma regularidade na 'vida-concretual' - rectidão tal que
empregamos na filosofia (e, talvez, nas ciências em geral) e que
desejamos apaixonadamente que corresponda ao objeto de
nosso estudo? ¿Ou estaria nossa razão irremediavelmente fadada
a incompreender a imperfeição do 'mundo-concretual' e fenomenológico que tentamos analisar?

¿É preciso digredir e questionar, como Garrett fez de fato em seus
escritos, ou deveríamos simplesmente nos resignar à 'falsa
sociedade' e à 'vida absurda', como Garrett propõe que
solucionemos esta incoerência?